1. Vislumbres de uma Religião Realmente Católica (O Cristianismo Budista)

“É verdade que é ‘a fé que salva’, mas a fé que não tem a compreensão não é fé, mas sim credulidade”. [The Story of Anna Kingsford and Edward Maitland and of The New Gospel of Interpretation (A História de Anna Kingsford e Edward Maitland e do Novo Evangelho da Interpretação), p. 11]

A Roda e a Cruz – o Cristianismo Budista: um Novo Movimento ou uma Nova Religião?

A exposição que segue, é importante deixar claro desde o início, está baseada na mensagem da Dra. Anna Kingsford e de Edward Maitland, que foi chamada de Evangelho da Interpretação, e está contida em seus principais escritos.

Penso que eles foram – e ainda são – verdadeiros profetas, almas iluminadas, servidores dos Seres Divinos, dos Servos Conscientes de Deus.

“Porém o processo inclui um ponto chamado de Queda. Entregando-se aos impulsos externos da natureza inferior, antes que ela seja suficientemente forte para resisti-los, Eva estende sua mão e apanha o fruto que, como ela é espiritual e ele é material – é Matéria – é proibido para ela. Em outras palavras, e despido de alegoria, a Alma, ou ser superior, cai sob o poder do ser inferior e perde a intuição do Espírito, e o homem, não mais sendo por ela sustentado, a segue em sua queda.

Assim, o ser inferior, com os seus apetites e os seus pensamentos, torna-se o único regente, e a sua prole é Caim, o assassino e até mesmo torturador de seus irmãos, humanos e animais. E quando Abel, que como ministro da Alma e de suas intuições representa o profeta, oferece a Deus as “primícias de seu rebanho” (Gênesis 4:4), ou seja, quando o “Cordeiro” de um coração puro e gentil faz sua aparição, ele é em seguida assassinado por Caim, o qual, como o escravo dos sentidos, ofertando os “produtos do solo” (Gênesis 4:3), ou da natureza inferior,representa o sacerdote. (…)

A contenda, já referida, entre profeta e sacerdote, como sendo respectivamente ministros da Alma e dos sentidos, da vida pura e do derramamento de sangue, é levada adiante através de toda a Bíblia, até que ela culmina no assassinato pelos sacerdotes do maior dos profetas. Pois os profetas não faziam derramamento de sangue; e todas as narrativas que representam Moisés, Samuel, Elias, e outros profetas como estando engajados na matança de pessoas de seu povo ou de tribos vizinhas – narrativas que pelo seu horror aparente são de imediato obstáculos para os fiéis e uma oportunidade de zombaria para os descrentes – representam simplesmente os conflitos da Alma com as más tendências do homem que ela anima”. [Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios sobre o Vegetarianismo), pp. 218-219. Grifos nossos.]

O Cristianismo Budista surge como uma parte – talvez uma das partes mais importantes – de um resgate do Evangelho da Interpretação e, portanto, como uma continuidade da obra desses profetas.

Especialmente nesse momento de globalização e de prenúncio de crises sem precedentes é necessário que seja feito esse resgate no panorama das ideias que regem o mundo, talvez mais do que qualquer outra coisa. Isto é, acredito que nessa época o mundo necessita do resgate da religião realmente católica, universal. E, do mesmo modo, acredito que essa religião seja – como um exemplo inicial a seguir seguido pelas demais religiões – o Cristianismo Budista.

“A fé cristã é a herdeira direta da velha fé romana. Roma foi a herdeira da Grécia, e a Grécia do Egito, de onde se originaram o legado de Moisés e o ritual hebraico.

O Egito foi apenas o foco de uma luz cuja verdadeira fonte e centro era o Oriente em geral – Ex Oriente Lux. Pois o Oriente, em todos os sentidos, geograficamente, astronomicamente e espiritualmente, é sempre a fonte de luz.

Mas, embora originalmente derivada do Oriente, a Igreja de nossos dias e de nosso país é modelada diretamente a partir da mitologia greco-romana, e de lá retira todos os seus ritos, doutrinas, cerimônias, sacramentos e festivais.

Portanto, a exposição que será feita sobre o Cristianismo Esotérico tratará mais especificamente dos mistérios do Ocidente, uma vez que suas ideias e sua terminologia são para nós mais atrativas e próximas do que as concepções não artísticas, a metafísica não familiar, o espiritualismo melancólico e a linguagem pouco sugestiva do Oriente.

Extraindo sua essência-vital diretamente da fé pagã do velho mundo Ocidental, o Cristianismo mais proximamente se parece com seus pai e mãe imediatos, do que com seus ancestrais remotos, e será, então, melhor exposto com referência a suas fontes da Grécia e de Roma, do que com referência a seus paralelos bramânicos e védicos.

A Igreja cristã é católica, ou então ela não é nada que mereça, em absoluto, o nome de Igreja. Pois católico significa universal, todo-abarcante: – a fé que sempre e em todos os lugares foi recebida. A prevalecente visão limitada desse termo é errada e prejudicial.

A Igreja cristã foi inicialmente chamada de católica porque ela abarcava, compreendia e tornou seu o passado religioso de todo o mundo. Reunindo em sua figura central – do Cristo – e em torno dessa figura todas as características, lendas e símbolos até então pertencentes às figuras centrais das dispensações anteriores, proclamando a unidade de toda aspiração humana, e formulando em um grande sistema ecumênico as doutrinas do Oriente e do Ocidente.

Assim, a Igreja católica é védica, budista, zend-avesta e semítica. Ela é egípcia, hermética, pitagórica e platônica. Ela é escandinava, mexicana e druídica. Ela é grega e romana.

Ela é científica, filosófica e espiritual.

Encontramos em seus ensinamentos o panteísmo do Oriente, e o individualismo do Ocidente. Ela fala a língua e pensa os pensamentos de todos os filhos dos homens; e em seu templo todos os deuses estão em um lugar sagrado.

Eu sou vedantina, budista, helenista, hermética e cristã, porque eu sou católica. Pois nessa única palavra todo o Passado, Presente e Futuro estão abarcados.

Como Santo Agostinho e outros dos Padres (Pais) da Igreja verdadeiramente declararam, o Cristianismo não contém nada de novo a não ser o seu nome, estando próximo dos antigos desde o seu início. E as várias seitas, que retém apenas uma porção da doutrina católica, são apenas como cópias incompletas de um livro, do qual capítulos inteiros foram retirados, ou como representações de uma peça teatral na qual apenas alguns de seus personagens e de suas cenas foram mantidos”. [The Credo of Christendom (O Credo do Cristianismo), pp. 94-96]

O Cristianismo Budista é uma religião, mas não é propriamente nova. A expressão “A Roda e a Cruz” alude à fusão do Budismo com o Cristianismo. Contudo, na verdade, não estamos fazendo essa fusão, nem tampouco a Dra. Kingsford e Maitland, porque essa fusão sempre existiu. Eles apenas resgataram essa verdade que estava praticamente perdida ou esquecida.

O Cristianismo Budista é ainda pouco conhecido nesse momento do início do século 21, do mesmo modo que o Evangelho da Interpretação, que também é referido como Novo Evangelho da Interpretação. De forma análoga ao Cristianismo Budista, o Novo Evangelho da Interpretação não é algo novo, apenas o resgate de algo antigo, que foi deturpado e praticamente esquecido. Assim, a palavra “novo” é usada para definir algo que foi tão deturpado e relegado que o seu resgate chega a parecer algo novo.

O Evangelho da Interpretação tem como seus diferenciais, de um lado, o fato de que a mensagem da Dra. Anna Kingsford e de Edward Maitland está mais voltada para a interpretação, para a abertura, por assim dizer, das Bíblias do Ocidente. Ocidente que, como vemos, está influenciando de forma avassaladora o mundo todo. De outro lado, se diferencia pelo pioneirismo e qualidade – pela profundidade e veracidade – da mensagem deixada por esses dois profetas. Isto é, pela grandeza de suas Almas, que se expressou na pureza, na compaixão e no sacrifício de suas vidas. Vidas dedicadas ao soerguimento e ao amparo de seus irmãos, incluindo aqui os animais, e que, por essa razão, lhes permitiu uma grande fidelidade na veiculação de uma mensagem tão importante.

Importância nos Dias de Hoje

Sua importância continua de crucial relevância. Talvez seja ainda mais decisiva e urgente hoje (início do século 21), do que no final do século 19, ou durante o século 20. Isso porque os problemas mundiais se agravaram muito. E se for verdade, como penso poder demonstrar, que a raiz de nossos grandes problemas está nos errôneos fundamentos filosófico-religiosos de nossa época – os quais se refletem em leis e instituições, ou sistemas sociopolíticos viciados e incompetentes – então, sua importância é, de fato, ainda maior, mais crucial e mais urgente hoje do que era cerca de um século atrás.

Não é fácil para a maioria das pessoas alcançar uma visão clara dessas amplas questões, mas isso em nada muda o fato de que elas sejam de fundamental importância para o futuro da humanidade.

Certa vez ouvi o Sr. Krishnamurti – outro grande profeta de nossa época – afirmar que toda civilização tem por fundamento uma religião. Penso que o Sr. Krishnamurti se referia ao conjunto composto pelas Escrituras, suas interpretações, suas organizações, seus ritos e tradições culturais, tudo isso acrescido de uma parte pouco visível, mas que é, de longe, a parte mais importante, que é a parte mística ou esotérica dessa religião.

Essa importância da religião na base da civilização é algo universal. Vale para o Ocidente e para o Oriente. Vemos o exemplo da civilização egípcia, com seus milênios de duração, que teve como base, inquestionavelmente, uma matriz filosófico-religiosa. Ou da civilização indiana, com seus vários milênios de existência, e que ainda está lá – embora rapidamente declinando diante do poder avassalador da civilização do Ocidente. Essa civilização com sua grande cultura – com suas castas, seus templos, seu Yoga, seus ashramas (centros espirituais), sua astrologia, sua medicina, suas artes, com seus aspectos gloriosos e seus aspectos degenerados – tem suas bases no Hinduísmo. Um Hinduísmo com suas próprias grandes Bíblias. As Bíblias dos Vedas, dos Upanixades, do Mahabharata – onde encontramos o Bhagavad Gita (a Sublime Canção) – do Ramayana, e assim por diante. Todas as grandes civilizações do passado e do presente se enquadram nessa regra de terem como base uma matriz filosófico-religiosa.

Não Poderia a Civilização Ter sua Base na Filosofia Científica Contemporânea?

De fato, essa questão é muito pertinente. Por que não uma base filosófico-científica? Até onde posso ver, nossa ciência comum, da qual nossa humanidade tanto se orgulha, como se fosse uma maravilha, embora sendo de grande importância, ainda apresenta tremendas fragilidades e limitações e, em nossos dias, ainda é completamente incapaz de sozinha bem conduzir a humanidade. Ela, de fato, está conduzindo a humanidade, junto com o sacerdotalismo religioso, porém, no rumo das catástrofes.

Aqui eu lembraria a frase de Teilhard de Chardin: “tudo o que se eleva converge”. No dia em que a ciência comum, que a Dra. Kingsford chama de “Nesciência”, isto é, ciência néscia, no dia em que ela estiver em condições de ser o alicerce de uma verdadeira civilização, nesse dia ela terá se ampliado e se elevado, terá convergido para o encontro com a filosofia e a religião verdadeiras.

Isso porque as coisas mais profundas, por sua própria natureza, somente podem ser realmente vivenciadas e conhecidas pelo caminho interno, do Silêncio, do Amor e do Espírito, e não meramente das faculdades, dos poderes e das tecnicalidades externas ao Espírito, como, principalmente, o pensamento concreto.

Algum dia a ciência alcançará o nível de verdadeira ciência, de Gnose, ou conhecimento que alcança o Espírito, o Profundo, e não apenas o superficial. Nesse dia o método científico terá sido ampliado e terá se libertado das limitações, da “camisa de força” da metodologia científica dominante em nossa época. Na atualidade, portanto, somente o conhecimento filosófico-religioso alcança a profundidade suficiente para ser a base de uma duradoura e harmônica civilização. A ciência de nossos dias, embora muito importante, repito, e sob vários aspectos, ainda deve ser uma coadjuvante, pois ainda não está pronta para representar bem esse papel principal.

Uma vez alcançada essa dimensão mística ou transcendental (que transcende a mente concreta) há uma consciência integrativa, não fragmentadora; há uma realidade viva, há o trabalho amoroso, ou o Divino Sacrifício, de um grupo de Servidores do Divino, os quais são o verdadeiro coração, o verdadeiro sangue, ou vida, de uma verdadeira religião e de uma verdadeira filosofia. Pode não ser fácil ver essa questão com clareza, mas, para mim, esse é o panorama percebido.

Se, portanto, as instituições de uma civilização são injustas, cruéis, incompetentes e incapazes de resolver e harmonizar os seus grandes problemas socioambientais – como é bem o caso em nossa época – então, fica claro que a base de tudo isso é a falsidade, a deturpação filosófico-religiosa dominante nessa mesma época. Isso é um fato puro e simples. Muitos podem não perceber, podem não alcançar essa compreensão, mas isso em nada muda a situação. A nossa ignorância é apenas mais um elemento do panorama, um elemento que não muda seus determinantes fundamentais.

Penso que tudo isso ficará mais claro à medida que formos aprofundando e detalhando aspectos mais concretos e pontos mais específicos. Mas o panorama geral é esse, sem tirar nem acrescentar. E, repetindo, em face desse panorama, a importância do Evangelho da Interpretação é crucial para o mundo como um todo. E é tanto mais crucial quanto mais dominantes estão se tornando, no mundo todo, as instituições, as ideias e os valores da cultura do Ocidente, uma vez que, como já disse, o Evangelho da Interpretação está principalmente voltado para a interpretação das Bíblias do Ocidente.

Vou dar apenas um exemplo. É o caso da grande nação que é a Índia. Esse exemplo pode servir de “tipo ideal”, como diria Max Weber, para a visualização desse ponto.

A Índia lutou bravamente para se tornar uma nação independente do domínio britânico. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, conseguiu essa importante e tão almejada independência, apesar do desastre que foi a partição do Paquistão – já um fruto da cegueira filosófica e política de seus líderes.

Contudo, ao alcançar – com tantos heroísmos, dificuldades e tragédias – essa independência, de onde foi copiar as suas instituições dominantes, aquelas que disciplinam a vida da nação como um todo? Justamente da Inglaterra! Copiou a injusta, incompetente e, portanto, trágica democracia liberal inglesa. Ou seja, continuou “colônia”, em termos filosóficos, das principais ideias sociopolíticas do Ocidente.

A Índia nunca resolverá seus imensos problemas enquanto não acordar para a falsidade e a injustiça inerentes a isso, assim como o mundo nunca resolverá seus gigantescos problemas enquanto não acordar para a falsidade e a injustiça inerentes a essas ideias dominantes.

Esse exemplo visa apenas, como um “tipo ideal”, evidenciar a dominância do Ocidente, de suas ideias e instituições, mais que seus exércitos e suas economias.

E, ao evidenciar isso, ressalta a importância crucial, decisiva, do Evangelho da Interpretação, pois ele traz principalmente a “abertura” das Escrituras Sagradas do Ocidente, da tradição religiosa que está na base da civilização que está dominando o mundo, e, assim, gerando suas principais instituições e seus principais problemas.

Qual a Razão de Tratar o Cristianismo e o Budismo como uma Coisa Só?

Eu sempre via – como quase todas as pessoas até esse momento – o Budismo como uma coisa separada do Cristianismo, como caminhos diferentes, um mais voltado para o Oriente, e o outro mais para o Ocidente.

Por todos os meus estudos de Filosofia Hermética, ou Esotérica, eu já sabia muito bem que eles diziam, em essência, praticamente a mesma coisa, apenas com outras palavras, para diferentes culturas.

“(…) tanto o Budismo quanto o Cristianismo, como apresentados por seus inspirados fundadores, fazem da fraternidade a essência da doutrina e da vida”. (A Chave para a Teosofia, p. 29)

“Uma vez erguido o véu do simbolismo da face divina da Verdade, todas as Igrejas são similares, e a doutrina básica de todas é idêntica (…). Grega, Hermética, Budista, Vedantina, Cristã – todas essas Lojas dos Mistérios são essencialmente unas e são idênticas em doutrina”. [Life of Anna Kingsford (Vida de Anna Kingsford), vol. II, pp. 123-124]

No entanto, ao ler as obras da Dra. Kingsford e Maitland, me deparei com uma informação que para mim foi nova e que logo percebi ser uma informação simplesmente importantíssima: que o Budismo e o Cristianismo não são, na verdade, duas coisas separadas. Que o mundo, em sua ignorância, fez deles duas coisas separadas, mas que, na realidade, eles são uma coisa só, e que somente assim adquirem suas verdadeiras feições.

Buda e Jesus Fizeram Trabalhos Complementares

Seguindo a lógica do Evangelho da Interpretação, o Senhor Buda, quando realizou seu trabalho, já sabia que a missão de reforma da religião que existia naquela época, na parte do mundo em que ele viveu, a Índia (cuja religião principal é o Hinduísmo), que essa missão, por si só gigantesca, era apenas uma parte de uma obra maior.

O Hinduísmo já era uma religião multi-milenar e também havia uma civilização multi-milenar fundamentada nessa religião. E o Senhor Buda fez um trabalho de reforma daquela estrutura religiosa já carcomida, degenerada.

Assim, com base nos escritos do Evangelho da Interpretação, o Senhor Gautama já sabia que depois viria outro Avatar que complementaria a sua obra, tornando-a realmente católica (universal): o Senhor Cristo Jesus.

Da mesma forma, o Senhor Jesus, quando fez seu trabalho, não partiu do zero. Ele trabalhou dentro da tradição judaica, valendo-se da tradição ocidental (os Mistérios do Egito, da Grécia e de Roma, incluindo aqui o Pitagorianismo), bem como da obra que já tinha sido legada pelo Senhor Gautama, a qual incorpora e regenera toda a tradição do Oriente. Ele deu continuidade, desse modo, a tudo de bom que já estava posto.

A vida real do Senhor Jesus é pouco conhecida. Nós temos o que os Evangelhos nos relatam, mais algumas Cartas dos Apóstolos, além de algumas referências extra canônicas, mas muito do que acreditamos saber na verdade não sabemos, porque a maioria das histórias bíblicas são alegorias que não dizem respeito ao que tenha sido a verdade histórica.

Não que seja muito importante, no contexto da religiosidade, saber a verdade histórica, pois isso não tem grande importância: – as alegorias, as parábolas e os conhecimentos simbólicos que nos passam são muito mais importantes. Eles são atemporais, dizem respeito à Alma e falam para a Alma, ao passo que os eventos históricos são temporais, referentes àquela época, àquela cultura.

“O Cristianismo, então, foi introduzido no mundo com uma relação especial com as grandes religiões do Oriente, e sob a mesma regência divina. E muito longe de ser concebido como um rival e suplantador do Budismo, ele era a direta e necessária continuação desse sistema. E os dois são apenas partes de um todo contínuo e harmonioso, no qual a parte que veio por último é somente o indispensável acréscimo e complemento da parte que veio anteriormente”. [The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), pp. 250-251]

Temos, hoje, como informação muito provável, que Jesus viveu muito tempo em comunidades essênias – e esse grupo tinha uma forte influência budista. Eles tinham essa ligação viva com o Budismo. Com o passar do tempo essa ligação se perdeu por causa do materialismo, da ignorância do mundo. Nem os budistas quiseram saber muito disso, nem os que continuaram a tradição cristã, com graves consequências para ambos.

Sobre a Situação, Hoje, do Budismo e do Cristianismo

Essas tradições se encontram, segundo o Evangelho da Interpretação, numa situação deplorável. São duas tradições que nunca deveriam ter sido separadas, mas continuado como uma mesma tradição religiosa católica, universal, personificada nos Evangelhos pela figura do Cristo Jesus. Foi a degeneração de ambas que acarretou essa separação, que não permitiu a manutenção do claro conhecimento de que elas, na realidade, compõem uma única grande corrente religiosa.

“Agora, uma das mais deploráveis características do Sacerdotalismo é sua habitual intolerância a todas as outras formas de fé e sistemas religiosos, a despeito de sua antiguidade, autenticidade, semelhanças fundamentais e credibilidade.

O Sacerdotalismo não os vê como amigos, mas como rivais e inimigos; que não devem ser entendidos, apreciados e – ao menos em parte – assimilados, mas que devem ser ignorados, depreciados e contestados.

Essa atitude é justificada pelo Sacerdotalismo como sendo zelo por seus próprios princípios particulares, mas isso, na verdade, não é nada mais que intolerância nascida da ignorância”. (A Verdade Viva no Cristianismo, p.26 )

Há Referências de Jesus ao Budismo, ao Buda?

Não acredito que haja citações explícitas nos Evangelhos, nas parábolas, nas Cartas e no Apocalipse. Mas há referências alegóricas, como quando o Cristo Jesus fala: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco; a essas também me importa conduzir, e elas ouvirão a minha voz; e haverá um rebanho e um pastor”. (João 10:14-16).

Seguindo o espírito do Evangelho da Interpretação, o Senhor Jesus deve ter feito muitas referências ao Senhor Buda e ao Budismo, mesmo que, de forma pública, apenas com alegorias (Mateus, 13:34), mas a interpretação verdadeira das alegorias se perdeu. Podemos ter uma noção disso que se perdeu ao considerarmos a questão do período em que o Senhor Jesus esteve entre os essênios, onde essa ligação com o Budismo era evidente, como, por exemplo, na questão da irmandade com os animais e, em consequência, o vegetarianismo, que era rigorosamente seguido pelos essênios. Tudo isso praticamente se perdeu por muitos séculos, e só recentemente foi resgatado.

Evidências da Ligação de Jesus com os Essênios

Até onde conheço, essa ligação do Senhor Jesus com os essênios é hoje, até mesmo cientificamente, considerada como praticamente certa. Tornou-se um conhecimento mais sólido com as descobertas dos manuscritos do Mar Morto (Qumran) e do Alto Egito (Nag Hammadi). Descobriram muitos papiros no século passado que relatam um personagem, um líder citado como Mestre de Justiça. Acredita-se que esses papiros estejam se referindo ao Senhor Jesus.

“Esses sistemas eram dois em número, ou melhor, eram como dois modos ou expressões do sistema uno, cujo estabelecimento constituiu a “Mensagem” que antecedeu o Cristianismo pelo período cíclico de seiscentos anos. Esse sistema era a Mensagem na qual os “Anjos” estiveram representados em Gautama Buda e Pitágoras.

No caso desses dois profetas e redentores, praticamente contemporâneos, o sistema era, tanto na sua doutrina quanto na sua prática, essencialmente um e o mesmo. E suas relações com o sistema de Jesus, como seus necessários pioneiros e antecessores, encontram reconhecimento nos Evangelhos na alegoria da Transfiguração.

Os personagens que aparecem nesse evento – Moisés e Elias – são correspondentes hebraicos de Buda e de Pitágoras. E eles são descritos como tendo sido vistos pelos três apóstolos nos quais são representadas, respectivamente, as funções distintamente exercidas por Pitágoras, por Buda e por Jesus; ou seja, Obras, Compreensão e Amor, ou Corpo, Mente e Coração.

E pela sua reunião no Monte está representada a união dos três elementos, e a complementação de todo o sistema abrangido pelos três por Jesus, como o representante do Coração ou daquilo que é Mais Interno, e, em um sentido especial, como o “amado Filho de Deus”.

O Cristianismo, então, foi introduzido no mundo com uma relação especial com as grandes religiões do Oriente, e sob a mesma regência divina. E muito longe de ser concebido como um rival e suplantador do Budismo, ele era a direta e necessária continuação desse sistema. E os dois são apenas partes de um todo contínuo e harmonioso, no qual a parte que veio por último é somente o indispensável acréscimo e complemento da parte que veio anteriormente”. [The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo), pp. 250-251]

Para termos uma melhor noção do quanto essa relação do Senhor Jesus com os essênios é considerada provável, bastaria citar uma recente referência feita pelo Papa Bento XVI que, além de ser um erudito nessas questões, também é conhecido como bastante conservador em termos doutrinários.

Surpreendente Homilia com Novas Hipóteses Históricas sobre a Páscoa

(Bento XVI durante a Missa na Ceia do Senhor, que presidiu na Basílica de São João de Latrão, catedral da diocese de Roma, na tarde da Quinta-feira Santa.)

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 5 de abril de 2007

Foi uma homilia surpreendente, na qual o Papa teólogo harmonizou momentos de meditação com as últimas investigações históricas realizadas sobre os manuscritos de Qumran, encontrados no Mar Morto em 1947, que ainda hoje são matéria de estudo e que oferecem novas hipóteses sobre a Páscoa.

Seu objetivo era mostrar a novidade introduzida pela Páscoa de Cristo na Páscoa judaica, na qual se imolava um cordeiro em recordação da libertação do povo escolhido da escravidão do Egito.

Com toda probabilidade, Jesus seguia o calendário que os essênios de Qumran observavam, seita rigorosa judaica em oposição ao poder sacerdotal de Jerusalém, que ainda em alguns aspectos continua sendo misteriosa para os historiadores, explicou o Santo Padre.

Segundo esta interpretação, “ainda não aceita por todos”, como ele mesmo declarou, Jesus “celebrou a Páscoa com seus discípulos provavelmente segundo o calendário de Qumran, ou seja, “ao menos um dia antes” da tradicional festa da Páscoa, “na hora da imolação dos cordeiros”, como diz o evangelho de São João, algo que parecia contradizer a narração dos outros três evangelistas.

O cardeal Albert Vanhoye SJ, antigo reitor do Instituto Bíblico Pontifício de Roma, explicou que na época de Jesus, o calendário essênio era mais tradicional que o mais recente adotado pelos sacerdotes de Jerusalém, ainda que isso não signifique que Jesus fazia parte dos essênios.

Isso implica, acrescentou Bento XVI, que Jesus celebrou a Páscoa “sem cordeiro, como a comunidade de Qumran, que não reconhecia o templo de Herodes e estava à espera do novo templo”. (Site Zenit – O Mundo Visto de Roma, 05/04/2007).

Mesmo que não tenhamos uma plena comprovação científica, há muitas informações que vêm da tradição mística, que aparecem em textos de vários autores.

Quando a Dra. Anna Kingsford, por exemplo, diz que estava com o Senhor Jesus naquela vida na Palestina, evidentemente, isso não é uma informação corroborada pela ciência contemporânea. É uma informação mística e você vai aceitar ou não por uma série de outras inferências que fará da vida dessa pessoa, se as outras coisas que ela falou fazem sentido, ou não fazem, se o contexto da obra dessa pessoa é relevante, ou não. Quando você conclui que é relevante, percebe que ela não teria porque dizer uma falsidade em um assunto tão sério. Então você aceita aquela informação, pelo menos como uma forte hipótese.

“A verdade sobre o nascimento de Jesus me é mostrada. Foi com toda certeza um nascimento comum. Vejo isso muito claramente. Os nomes estão todos alterados. O nome de nascimento de Jesus não é Jesus nem algo parecido. Nada é real como eu tinha pensado. Muito pouco acontece da forma que foi relatado. O episódio em que se perde e é encontrado no templo, e a alimentação dos cinco mil são alegorias cuja significação é espiritual. Os milagres do reavivamento da filha do dirigente e do filho da viúva são fatos reais”. (Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), p. 84)

“Hoje pela manhã, entre o sono e o despertar, eu me vi junto a várias pessoas, caminhando com Jesus nos campos em volta de Jerusalém”. (Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), p. 87)

Nesse mundo das religiões, os Mestres dizem que essa questão da cientificidade convencional deve ficar em segundo plano. Entre outras razões, pela própria limitação do método científico. Quando falamos de algo com uma fundamentação mística estamos nos referindo a uma experiência de natureza interna, de natureza mística.

A palavra “místico” vem do radical que aparece em várias línguas, como no francês muet, em português mudo, em inglês mute – que significa sem fala, ou de lábios fechados, que guarda o silêncio, que não fala. Ou seja, essa é uma realidade que você acessa não pelo conhecimento discursivo – que é cientificamente chamado de epistemológico, o que pode ser escrito, que pode ser passado intelectualmente – que é um componente essencial do método científico contemporâneo. Estamos falando de uma coisa que começa quando você, alegoricamente, fecha os lábios.

O sentir comum ainda está preso aos nossos sentidos. As tradições místicas nos afirmam que temos dentro de nós faculdades latentes que são como “super sentidos”, e que essas faculdades, quando são despertadas, atualizadas, nos abrem as portas do céu, no sentido alegórico dessa palavra.

Estamos começando a falar de coisas que a ciência moderna não alcança. Nos referimos à ciência convencional, acadêmica, que a sociedade conhece e preza, e não à Ciência com “C” maiúsculo que quer dizer verdadeiro conhecimento ou Gnose. Essa ciência do mundo, das academias, é limitada, uma ciência com “c” minúsculo, por assim dizer. Quando falamos em verdadeira Ciência abrimos portas e janelas mentais para conhecimentos mais profundos e mais abrangentes.

O mesmo acontece com as religiões do mundo: geralmente não são verdadeiras religiões. Também ocorre com a filosofia, que hoje é, no geral, mera disciplina acadêmica. A palavra filosofia significa amante da sabedoria, amigo da Sophia, da Sabedoria.

Livro da Sabedoria 6:

  1. Resplandecente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, descobrem-na facilmente.
  2. Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam.
  3. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.
  4. Fazê-la objeto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem por ela vigia, em breve não terá mais cuidado.
  5. Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus pensamentos,
  6. porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e desejar instruir-se é amá-la.
  7. Mas amá-la é obedecer às suas leis, e obedecer às suas leis é a garantia da imortalidade.
  8. Ora, a imortalidade faz habitar junto de Deus;
  9. assim o desejo da Sabedoria conduz ao Reino!

Quando nos aprofundamos nesses temas, considerando tanto a Religião (Religare), quanto a Ciência (Gnose), quanto a Filosofia (amor à Sophia), percebemos que elas estão centralmente baseadas no conhecimento interno, místico.

Para chegar nesse estágio temos que nos elevar. Como dizia o filósofo e teólogo francês Theilard de Chardin, “tout ce qui s´elève, converge” – tudo que se eleva converge. Se ficarmos na periferia parecem coisas separadas: ciência é uma coisa, filosofia é outra, religião é outra. Quando nos elevamos, nos aprofundamos até a vivência do espiritual, essas coisas convergem como os raios em relação ao Sol.

“Comprovação” por Meio da Realização Interna

No que diz respeito a esses temas filosófico-religiosos que estamos tratando, a prova na qual eles realmente se sustentam, se alicerçam, se embasam, é a experiência interna, mística – não uma comprovação histórica, que é cheia de controvérsias. Nesses assuntos, o que importa é se isso tem uma experiência interna relevante, de preferência uma experiência comum a vários profetas e místicos, de diferentes épocas e lugares.

Esse tipo de “comprovação” se dá quando a pessoa sente e, dependendo da pessoa, vive e se transforma naquilo. Quando nos dedicamos a esses estudos vamos nos conhecendo e, em alguma medida, vivenciando essas faculdades que existem dentro de nós.

Por meio do estudo e da prática da vasta Ciência do Misticismo (Religião, Yoga etc.) nos chega o conhecimento de que é possível desenvolver faculdades que nos capacitam a vivenciar esse conhecimento, seja no sentido mais superficial, de começarmos a ver coisas, ouvir coisas, seja no sentido mais elevado de nos transformarmos gradualmente no próprio objeto do conhecimento.

O conhecimento verdadeiramente espiritual é alcançado por “fusão”. Há um transformar-se na coisa e, assim, um transcender da dualidade, da separação entre sujeito e objeto – e o resultado é uma “fusão”, um tornar-se o objeto do conhecimento. Você e o objeto do conhecimento se tornam uma coisa só, se fundem, por assim dizer. Essa é a tradição mística de todos os tempos, de todos os lugares.

O Objetivo do Livro A Roda e a Cruz

O objetivo principal da obra A Roda e a Cruz (que esse Opúsculo tem como missão ser uma breve introdução) é resgatar a realidade religiosa que existe por trás do Cristianismo e do Budismo. É mostrar que eles não são duas coisas separadas, porém, uma mesma corrente religiosa.

O livro pretende resgatar uma religiosidade verdadeira. O Budismo e o Cristianismo são dois aspectos complementares de um mesmo credo, de um mesmo movimento. Ou seja, juntos eles completam um mapa filosófico-religioso confiável e católico (universal), constituindo-se, internamente, num caminho para a realização de nossas faculdades latentes mais elevadas e, externamente, na proposta de soluções consistentes para os grandes problemas mundiais.

Sobre os Profetas Anna Kingsford e Edward Maitland

Anna Bonus Kingsford (16/09/1846-22/02/1888) foi uma mulher notável sob muitos aspectos. Escreveu livros do maior valor e profundidade no campo do pensamento religioso e do vegetarianismo. Também possuía talentos excepcionais em outras áreas: como médica, e como ativista pelos direitos das mulheres e em prol do vegetarianismo, especialmente como ardorosa opositora da vivissecção. Apesar da constante má saúde, que a acompanhou durante toda sua curta vida, Anna Kingsford deixou contribuições inestimáveis para o bem estar dos humanos e dos animais.

Ela era o que hoje denominamos de psíquica desde idade muito tenra, sendo cônscia de fantasmas de mortos, dos estados físicos e psíquicos dos vivos, e suas antevisões acerca da morte próxima de pessoas eram sempre acuradas. No entanto, logo aprendeu a manter-se em silêncio a respeito de suas visões a fim de evitar o inevitável ridículo, e os conselhos desagradáveis do médico da família.

Tanto o Cristianismo tradicional quanto o Materialismo tinham no mínimo desconfiança acerca do mundo dos espíritos, não raro perseguindo as pessoas com capacidades psíquicas. Libertar o espírito humano das garras letais do falso Cristianismo e do Materialismo grosseiro se tornou o maior objetivo da vida de Anna Kingsford.

Ela casou-se em 1867 com Algernon Godfrey Kingsford. Estudou as doutrinas do Anglicanismo de seu marido, e também aquelas do Catolicismo Romano. Em 1870 ingressou na Igreja Católica Romana, sendo atraída pelo seu ritual e pelos seus aspectos místicos. Adotou, então, os nomes cristãos de Anna Mary Magdalen Maria Johanna. Contudo, ela sempre foi uma crítica do sacerdotalismo e do materialismo da Igreja.

Anna se dedicou ao estudo de Medicina, com intuito de abrir novos caminhos para outras questões como o vegetarianismo, e para auxiliar em sua luta pelas demais causas nas quais acreditava. As mulheres não eram então aceitas como estudantes de Medicina na Inglaterra, mas podiam ali realizar alguns estudos preliminares. Assim, Anna começou seus estudos médicos em 1873, na Inglaterra, e foi depois para Paris, em 1874, para fazer seu curso de Medicina. Ela ficou indo e vindo, entre Paris e a Inglaterra, até que recebeu seu diploma como médica em 1880.

Em seu diário Anna escreveu que tinha uma grande ambição de mudar o mundo e de alcançar glória, e que seu sofrimento com a má saúde de seu corpo era devido ao carma por seus “pecados da carne” em vidas anteriores.

A vida de Anna Kingsford tornou-se entrelaçada com a de Edward Maitland (27/10/1824-2/10/1897), que foi o principal colaborador de sua obra. Essa colaboração teve início, em fevereiro de 1874, quando Edward visitou Anna e seu esposo (em Atcham, onde o casal vivia), lá permanecendo por duas semanas.

Algernon não se opôs ao próximo (e platônico) relacionamento de ambos. Considerando o curso de suas respectivas vidas, não é difícil acreditar que a misteriosa mão do destino aproximou Anna Kingsford e Edward Maitland. Por exemplo, caso a esposa de Edward não tivesse falecido bastante jovem, ele não estaria livre para colaborar com Anna, e talvez nunca a tivesse encontrado, pois Edward havia se casado e morava na Austrália.

Anna Kingsford estava frequentemente em contato com o mundo dos espíritos, principalmente durante seu sono, e colaborou com Edward Maitland para escrever o que eles denominaram de suas “Iluminações”. Em 1881 ela deu uma série de conferências baseadas em suas “Iluminações”, para uma seleta audiência em Londres. No ano seguinte essas conferências foram publicadas como The Perfect Way; or, The Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo). É a obra magna de ambos, e uma quarta edição do livro foi publicada em 1909.

Em seu ensaio In Memoriam to the Rev. G.J.R. Ouseley (Em Memória do Rev. G.J.R. Ouseley), Samuel Hopgood Hart escreveu a respeito da obra O Caminho Perfeito, citando o próprio Rev. G.J.R. Ouseley:

“Conversamos os dois longamente, embora com alguma dificuldade em razão de sua surdez. Quando lhe falei do meu interesse nos ensinamentos de O Caminho Perfeito, ele disse que em sua opinião era “a mais luminosa e melhor de todas as revelações que tinham sido dadas ao mundo”. Numa carta para a revista Light (1882, p. 475) ele descreveu O Caminho Perfeito como “o mais maravilhoso de todos os livros que apareceram desde a era cristã”. Mas ele desacreditava que o mundo jamais o recebesse bem, porque “o mundo sempre rejeitou a Verdade; sempre crucificou a Cristo e sua doutrina, e por que não faria isso novamente?”. De uma coisa, contudo, ele estava seguro: “A Igreja do futuro será a Igreja do O Caminho Perfeito.””

Maitland reuniu algumas das “Iluminações” de Anna Kingsford e as publicou em Clothed with the Sun (Vestida com o Sol) em 1889. A obra final de Maitland foi uma biografia de Anna Kingsford, em dois volumes (1896). Anna Kingsford morreu ao meio dia de 22 de fevereiro de 1888, encerrando uma vigília de 18 horas de Maitland ao seu lado. Ela foi enterrada em Atcham.

Para uma visão mais completa da vida e da obra desses dois profetas, sugiro a leitura de dois textos escritos pelo principal continuador da obra da Dra. Kingsford e de Maitland que foi Samuel Hopgood Hart. São textos escritos justamente para dar uma ideia geral da vida desses dois profetas [Vida e Obra de Anna Kingsford e Vida e Obra de Edward Maitland. Esses textos sugeridos fazem parte dos Textos Complementares da obra A Roda e a Cruz, e estão, como muitas outras informações biográficas, no Site Anna Kingsford, onde há uma seção totalmente dedicada a esse fim: Informações Biográficas e Biografias.

Outros Profetas

No que diz respeito ao Cristianismo Budista em nossa época, nós podemos considerar Anna Kingsford e Edward Maitland como seus profetas por excelência, embora outros, como a Mme. Blavatsky e a Sra. Alice Bailey, tenham certamente contribuído com a vasta literatura que elas nos legaram e as organizações que iniciaram. Já no que diz respeito ao assunto mais amplo do Evangelho da Interpretação, e da abertura das Bíblias do mundo, aí houve outros profetas que considero igualmente ou até mais importantes, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Entre esses podemos citar Mme. Blavatsky, Sri Ramakrishna, Dra. Annie Besant, Charles Leadbeater, Sra. Alice Bailey e Geoffrey Hodson. É importante lembrar que essa lista não pretende esgotar a relação dos profetas que deram contribuições relevantes à abertura das Bíblias do mundo – ou seja, à interpretação mística dos símbolos das Escrituras Sagradas – e, portanto, ao Evangelho da Interpretação.

Obras Relevantes desses Outros Profetas

Mme. Blavatsky escreveu vários textos importantes. Um deles se chama O Caráter Esotérico dos Evangelhos e em suas obras principais como A Doutrina Secreta e Ísis sem Véu há várias passagens e capítulos importantes como contribuição à abertura das Bíblias do mundo.

Sri Ramakrishna escreveu pouco, mas seus seguidores nos trouxeram o seu pensamento como no exemplo da obra O Evangelho de Ramakrishna onde ele procura mostrar a identidade fundamental das grandes tradições religiosas, o que só é possível quando se interpretam os seus símbolos à luz do misticismo, como ele o fez.

Dra. Besant e seu companheiro Leadbeater também escreveram vários textos importantes para uma compreensão mística das Escrituras, tanto do Ocidente quanto do Oriente. No campo do Cristianismo poderia citar a obra O Cristianismo Esotérico da Dra. Besant e A Gnose Cristã de Leadbeater, entre outras que poderiam ser mencionadas desses mesmos autores.

Sra. Alice Bailey escreveu, por exemplo, uma obra importante para o Evangelho da Interpretação que se chama De Belém ao Calvário onde ela interpreta misticamente os principais momentos da vida de Jesus Cristo nos Evangelhos, mostrando que esses episódios, em conjunto, simbolizam o caminho das Grandes Iniciações e, em separado, aspectos de cada umas dessas Grandes Iniciações.

O Sr. Geoffrey Hodson também escreveu várias obras relevantes de interpretação dos símbolos sagrados, sendo talvez a mais conhecida e importante aquela composta pelos quatro volumes intitulados The Hidden Wisdom in the Holy Bible (A Sabedoria Oculta na Bíblia Sagrada).

Gostaria de repetir que essa lista não esgota a lista dos profetas e tampouco das obras desses que foram mencionados. Apenas, até onde podemos ver, faz justiça a nomes de profetas importantes e algumas de suas principais obras.

O Evangelho da Interpretação

“Aquilo que vocês precisam na Terra é a interpretação de suas Bíblias, e de todas as Escrituras que contêm a sabedoria oculta, o mistério de que São Paulo tão frequentemente mencionava como existindo desde os primórdios do mundo”. (Uma Mensagem à Terra, p. 69).

Esse é o nome que foi dado à mensagem filosófico-religiosa que procura resgatar a verdade original das grandes tradições religiosas, especialmente do Ocidente, mensagem que foi trazida ao mundo, sobretudo, nos escritos da Dra. Kingsford e de Maitland. Como dissemos, isso não exclui outros profetas, que também deram suas contribuições. Mas as obras pioneiras e que dão a nota fundamental estão nos escritos desses dois profetas, que ainda são tão pouco reconhecidos pela ignorância e ingratidão de nosso mundo.

No Site Anna Kingsford (www.anna-kingsford.com) estão todas as suas obras, inclusive as obras de secundária importância, que não pertencem ao Evangelho da Interpretação.

Segundo Edward Maitland, que fundou uma organização para a difusão dessa mensagem (a União Cristã Esotérica), as obras que foram reconhecidas, naquela época, como parte do Evangelho da Interpretação são as seguintes:

The Perfect Way; or, the Finding of Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo). Anna Kingsford e Edward Maitland.

Clothed with the Sun: Being the Illuminations of Anna (Bonus) Kingsford (Vestida com o Sol: as Iluminações de Anna (Bonus) Kingsford). Anna Kingsford. Editada por Edward Maitland.

The Bible’s Own Account of Itself (O Relato da Própria Bíblia sobre Si Mesma). Edward Maitland.

The “New Gospel of Interpretation” Being an Abstract of the Doctrine and a Statement of the Origin, Object, Basis, Method and Scope of the Esoteric Christian Union (O “Novo Evangelho da Interpretação”. Sendo um Resumo da Doutrina e uma Declaração da Origem, Objetivo, Fundamento, Método e Alcance da União Cristã Esotérica). Edward Maitland.

A Message to Earth (Uma Mensagem à Terra). Publicado anonimamente. [Nota do compilador: Provavelmente editado por Edward Maitland.] Publicado em conjunto com os escritos reconhecidos pela União Cristã Esotérica como pertencendo ao Evangelho da Interpretação.

A seguinte obra também contém ensinamentos idênticos às obras acima, quanto à origem e ao caráter, porém mesclados com alguns escritos mais leves:

Dreams and Dream Stories (Sonhos e Estórias de Sonho). Anna Kingsford. Editada por Edward Maitland. Segunda edição: George Redway, Londres, 1888.

Podemos, seguramente, adicionar mais algumas obras, publicadas posteriormente – que são as seguintes:

The Story of Anna Kingsford and Edward Maitland and of the New Gospel of Interpretation (A História de Anna Kingsford e Edward Maitland e do Novo Evangelho da Interpretação). Edward Maitland.

The Life of Anna Kingsford: Her Life, Letters, Diary and Work (A Vida de Anna Kingsford: Sua Vida, Cartas, Diário e Obra). Edward Maitland. Dois volumes.

Addresses and Essays on Vegetarianism (Palestras e Ensaios Sobre o Vegetarianismo). A obra reúne textos de Anna Kingsford e Edward Maitland. Editada por Samuel Hopgood Hart.

The Credo of Christendom: and other Addresses and Essays on Esoteric Christianity (O Credo do Cristianismo: e Outras Palestras e Ensaios sobre o Cristianismo Esotérico). A obra reúne textos de Anna Kingsford e Edward Maitland. Editada por Samuel Hopgood Hart.

Em resumo, o Evangelho da Interpretação é o verdadeiro e antigo Evangelho que está sendo resgatado. Da mesma forma, o Cristianismo Budista é o resgate da verdadeira e antiga mensagem do Senhor Cristo Jesus e do Senhor Buda Gautama, que, como já dissemos, constituem uma mesma grande tradição, que nunca deveria ter sido separada.

O Cristianismo Budista é a Antiga Religião que o Evangelho da Interpretação Veio Resgatar

Acredita-se que o Cristianismo Budista, em particular, e o Evangelho da Interpretação, em geral, constituem-se no cumprimento, pelo menos em alguma medida, da antiga profecia dos ossos ressecados que ganham novamente sangue e vida:

“Veio sobre mim a mão do Senhor; e ele me levou no Espírito do Senhor, e me pôs no meio do vale que estava cheio de ossos; e me fez andar ao redor deles. E eis que eram muito numerosos sobre a face do vale; e eis que estavam sequíssimos.

Ele me perguntou: Filho do homem, poderão viver estes ossos? Respondi: Senhor Deus, tu o sabes.

Então me disse: Profetiza sobre estes ossos, e dizei-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor.

Assim diz o Senhor Deus a estes ossos: Eis que vou fazer entrar em vós o fôlego da vida, e vivereis. E porei nervos sobre vós, e farei crescer carne sobre vós, e sobre vos estenderei pele, e porei em vós o fôlego da vida, e vivereis. Então sabereis que eu sou o Senhor.

Profetizei, pois, como se me deu ordem. Ora enquanto eu profetizava, houve um ruído; e eis que se fez um rebuliço, e os ossos se achegaram, osso ao seu osso. E olhei, e eis que vieram nervos sobre eles, e cresceu a carne, e estendeu-se a pele sobre eles por cima; mas não havia neles fôlego.

Então ele me disse: Profetiza ao fôlego da vida, profetiza, ó filho do homem, e dize ao fôlego da vida: Assim diz o Senhor Deus: Vem dos quatro ventos, ó fôlego da vida, e assopra sobre estes mortos, para que vivam.

Profetizei, pois, como ele me ordenara; então o fôlego da vida entrou neles e viveram, e se puseram em pé, um exército grande em extremo”. (Ezequiel, 37:1-10)

Naturalmente, o atual momento do Cristianismo Budista significa e se constitui numa nova tentativa, um novo esforço, um novo impulso – dentro de um panorama bastante desolador – de resgatar a verdade contida nos antigos símbolos dessa religião. Religião que o mundo pensa, erroneamente, que são duas. E esse panorama é tão desolador que chega a parecer que está sendo trazido algo novo. Mas, como disse, trata-se apenas de um resgate de coisas antigas e muito deturpadas, ou, às vezes, até mesmo esquecidas.

Desse modo, há urgente necessidade de resgatar esses símbolos que ainda estão aí. Na ciência convencional, no consumismo materialista, na política e na arte mundana não há quase nada que fale de forma consistente à Alma do ser humano. Então, é necessário resgatar a verdade contida nos símbolos religiosos.

“Nesse ponto os literalistas demonstram que são incapazes de ver que fazer com que o sentido “óbvio” da Bíblia seja o seu sentido real seria destruí-la enquanto uma Bíblia, ou um livro da alma; uma vez que como livro da alma ela deve apelar à alma e não aos sentidos; e deve se referir não a pessoas, coisas e eventos pertencentes ao plano físico, mas a princípios, processos e estados puramente espirituais – ainda que expressos em termos derivados do plano físico – usando pessoas, coisas e eventos tão somente como forma de ilustração”. (Novo Evangelho da Interpretação, p. 12. Nota: Grifo nosso)

Certa vez tive um insight. Estava nos Estados Unidos, no meio daquela sociedade de consumo, de desperdício, e procurava uma Missa para assistir. Saí de ônibus, procurando, até que achei uma escola católica longe de onde eu estava. Cheguei para a Missa das 8 horas da manhã, e quando entrei naquela igreja, vi as crianças cantando, com todos aqueles símbolos ao redor – a Cruz, Nossa Senhora, etc. – eu percebi, num flash de luz interior: “Isso aqui tem muita idolatria, mas comparando com o mundo que está lá fora, pelo menos ainda tem uma casca, um verniz da coisa real. No mundo quase só há o materialismo. Aqui dentro, mesmo com toda a idolatria, há um resquício das coisas sagradas”. É um pálido resumo do insight.

A Dificuldade de Encontrar a Correta Interpretação

É realmente difícil encontrarmos as corretas interpretações dos símbolos religiosos nessas tradições religiosas. Não só no Catolicismo Romano, mas também em outras tradições, há ainda preservadas muitas formas e símbolos sagrados. Se tivermos sensibilidade, perceberemos a Luz Divina por trás daquela idolatria toda, daquele equívoco. Na hora em que o sacerdote está oficiando, se prestarmos bem atenção ao que acontece, veremos que ainda acontecem coisas muito boas, como o fluir de energias santificadas, sobretudo na cerimônia da Eucaristia. Se pudermos interpretar suas palavras à luz do Evangelho da Interpretação, perceberemos que esses símbolos, hoje deturpados, já contiveram e podem novamente conter um conhecimento que pode salvar o mundo do materialismo e do niilismo, como os ossos que ganham novamente carne, sangue e vida.

O Mistério Vivo Ainda Existe

Embora muito deturpado, ainda existe um Mistério, um real e vivo ministrar e fluir de energias espirituais. Pelo menos existe mais ali do que fora dali, no mundo em geral. E os símbolos sagrados, embora agora um tanto vazios, apenas como a casca ou os ossos ressecados, também estão presentes. E mesmo que não existisse o Mistério do vivo fluir de forças espirituais, se os símbolos estão ali, devemos procurar resgatar a sua verdadeira interpretação, como dever para com nosso povo e como dever para com os Maiores do que nós, que deram e que continuamente dão a vida por nós. Se Eles fizeram e fazem esse Sacrifício, quem somos nós para renegar?

Precisamos tirar o que tem de falso e colocar luz. Esse é o nosso dever, tanto pensando nos que são menores, “mais jovens”, quanto nos que são maiores, “mais velhos” do que nós. Temos que procurar trazer a pequena luz que pudermos ao mundo.